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Quase 50 anos depois, um dos 23 militares do Agrupamento de Cavalaria de Bobonaro revisitou Timor com uma equipa da RTP.
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00:54Esta é a história do regresso a um passado com quase 50 anos e de muitas descobertas sobre esse passado e sobre o presente.
01:04Luís Carvalho e outros 22 militares portugueses foram capturados no então Timor português e estiveram perto de um ano presos na ilha, quase sempre do lado de Indonésio.
01:14A nossa viagem começa em Dili, capital de Timor-Leste.
01:18Lembro perfeitamente deste passeio que passava aqui em frente ao Palácio do Governador e que ia até lá ao fundo ao Porto e à praiazinha que havia lá ao fundo.
01:26A minha maior recordação passa por aqui.
01:29Não tinha nada de movimento, isto era uma aldeia, não se via automóvel, eu não me lembro de ver a circulação.
01:34Eu hoje olho para isto com os olhos que não olhava quando estive cá.
01:41Os meus anos com 22 anos não viam isto, nem vi a beleza que isto tem hoje.
01:47Como eu percebo, hoje para mim isto é completamente diferente do que eu estava a contar.
01:53Estou aqui, eu ia falar nos canhões que estavam aí, mas agora reparei que estão aqui.
02:01Eu fui mobilizado antes do 25 de Abril.
02:04Fica muito bem classificado no curso, a minha ideia era quanto melhor classificado, mais fácil será poder não ir para a guerra.
02:13A minha ideia era não ir para a guerra.
02:15Depois saiu-me de Timor e eu fiquei, uff, maravilha.
02:19E aqui quando chegou cá, que foi no verão?
02:22Chegou cá em julho de 74.
02:24Não havia ainda nada político, manifestações?
02:30Nada, nada, nada, nada.
02:33O Furriel Carvalho teve sorte, saiu-lhe uma colónia em paz.
02:37Nesse mês de julho, decorria em Dili a Feira 74, com direita visita do governador Alves Aldeia, no cargo há dois anos, ainda não substituído pelo novo regime saído da revolução.
02:49A capital, com cerca de 12 mil habitantes, vivia ainda num ambiente colonial.
02:55Pela primeira vez aqui, falei com a minha mulher ao telefone.
02:59E para o fazer foi uma aventura.
03:01Tive que ir à Marconi que estava aqui, marcar uma hora, a minha mulher teve que ir lá marcar uma hora, estar em casa à espera da chamada.
03:08Eu liguei-lhe aqui ao final da tarde e ela estava a se levantar.
03:11Foi uma emoção, como deve imaginar.
03:13Conseguir falar com a minha mulher há 50 anos, por telefone, foi uma verdadeira emoção.
03:21As únicas pessoas com quem eu convivi aqui em Dili eram outros colegas meus que estavam aqui.
03:25Era a vida de jovens de 22 anos, 21, 22 anos, 23 anos. O que é que essa gente quer? O que é que nós queríamos?
03:32Praia e copos. Nada mais.
03:35Era uma vida pacata, calma, sem qualquer distúrbio.
03:39Como se não tivesse a vida de 25 anos.
03:41Exatamente, sim. Aqui em baixo não estava nada.
03:44Nós no quartel também não estávamos que havia o 25 de abril porque havia um relaxamento mais da forma de estar.
03:52Disciplina.
03:53A disciplina era mais, mas estava facilitada.
03:57Timor era a colónia portuguesa mais distante e talvez a mais pobre.
04:02O retrato de Timor, feito pela televisão francesa no fim dos anos 60, mostra-nos uma colónia totalmente dependente do exterior, com uma economia de subsistência.
04:25A taxa de escolaridade era muito baixa. Apenas 10% da população falava português.
04:32Havia poucos quadros timorenses e pouco qualificados.
04:36Ainda assim, depois do 25 de abril, a sociedade civil começou a mobilizar-se e a organizar-se.
04:53Surgiram os partidos políticos. A União Democrática de Timor, o DT, conservadora.
05:00A Associação Social Democrata de Timor, depois Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente, Fretilin, progressista.
05:07E a Apodeti, que apoiava a integração da pequena colónia portuguesa na vizinha e gigante Indonésia.
05:13Portugal tinha uma boa relação com a Indonésia. Um mês antes do 25 de abril, Alves Aldeia recebeu em Dili o governador de Timor Ocidental, El Tari.
05:23A posição oficial indonésia era de que Jakarta não tinha pretensões territoriais sobre Timor-Leste.
05:29Porém, na altura, alguns dirigentes e alguma comunicação social começaram a falar de oportunidade para integrar o território na Indonésia.
05:39Alves Aldeia foi logo avisando Lisboa que o governo de Jakarta, uma ditadura militar fortemente anticomunista,
05:46nunca aceitaria um regime desta linha política, ou próxima, na outra metade da ilha.
05:58A viagem para Bobonaro é hoje ainda mais demorada e difícil do que há 50 anos.
06:04A partir de Dili, é preciso contar com sete ou oito horas de caminho para chegar à vila nas montanhas, perto da fronteira com Timor-Indonésio.
06:13Agora vamos ver as misérias que estão por aí.
06:16Olha, aqui este é um, que era um depósito de material de acuartelamento e não sei se era material de guerra também,
06:22que estava aqui guardado e que está neste estado.
06:24Ali o nosso, aqui não, isto está ocupado, mal ou bem, mas está ocupado.
06:28Agora aquele edifício, que eram todos os edifícios administrativos, onde todos nós estávamos, está naquela cidade de ruínas.
06:34É onde o Luís trabalhava?
06:35Exatamente.
06:36Exatamente.
06:37Eu trabalhava numa daquelas janelas, ali há uma porta ao meio, uma daquelas duas janelas.
06:43Eu era responsável pelo material de acuartelamento e ferramenta e está tudo vedado, nem dá para ver como é que está podendo.
06:55Aqui era a porta de armas.
07:03E é aqui estas escadas dava acesso ao posto médio, que está lá em baixo, está degradado, e há as cavalariças, é aqui em baixo.
07:10A escada está pior do que estava na altura, claro.
07:13Ainda tem ali o escudo português em cima.
07:18Está meio desfeito.
07:20As esquinas, não é o escudo, as esquinas.
07:22E aqui nestas escadinhas eu preciso de uma fotografia.
07:33Acho que são das últimas fotografias que tirei com o cruz, estaria aqui nesta escada.
07:41O agrupamento de Cavalaria de Bobonaro era a unidade responsável pela segurança na fronteira.
07:47Tal como em muitas outras unidades, uma boa parte dos militares era de origem timorense.
07:51Para além dos militares acuartelados, havia também as segundas linhas, tropas treinadas, armadas e sob o comando de Bobonaro,
08:00mas que estavam disseminadas pelo território e eram formadas exclusivamente por timorenses.
08:04Não pensava que vinha para este fim do mundo, não fazia a mínima ideia.
08:11Não fazia a mínima ideia o que é que vinha a encontrar.
08:14Perfeitamente à cega, sem expectativas.
08:16Mas vinha para defender o império ou vinha sem...
08:20Não, vinha a cumprir um tempo que me era imposto pelo Estado português, que era fazer uma comissão que normalmente demorava dois anos.
08:27A única diferença...
08:31Eu vinha obrigatório. Se não me obrigasse a vir, eu não vinha.
08:35Mas acabei por fazer uma vida normal, descontraída, relaxada, não sabendo aproveitar algumas coisas que isto tinha de bom.
08:43Boa tarde.
08:44Teria feito alguma coisa diferente?
08:46Teria. Se calhar teria convivido mais com a população.
08:49Era capaz com os meus colegas militares, colegas timorenses.
08:54Se calhar tentaria aprender mais teto.
08:56É uma certeza absoluta.
08:58Tentaria conviver mais com as populações que havia aqui à volta.
09:01Isso dá-me pena.
09:03Porque eu gosto das pessoas e gosto de conhecer gente nova.
09:07Hoje muito mais do que na altura.
09:09Na altura era mais limitado.
09:10E não os conheceu.
09:12Não os conheci.
09:13Não os conheci, exatamente.
09:15Apesar de tudo, ainda fui tirando alguns retratos.
09:18Aqui da Luta de Galos, ainda fiz alguns retratos.
09:22Fiz alguns retratos de agentes da população.
09:25Retratei um bocadinho os movimentos do Bazar.
09:31Mas hoje teria feito muito mais.
09:34E hoje também olha para as pessoas de maneira diferente?
09:36Para os timorenses de maneira diferente?
09:37Olho. Olho muito diferente.
09:40Olho.
09:41Olho.
09:42Olho.
09:43Olho.
09:44Olho.
09:45É pá, isto é uma emoção, isto é uma emoção muito grande, isto para mim é uma emoção assim, eu vi, já tinha visto isto no Google, mas ver, é óbvio, como é que se deixa a estragar uma coisa destas, não há quem ocupe, foi a guerra, e os indoneses não ocuparam isto?
10:13Não ocuparam, ocuparam, transformaram-se numa caserna militar, mas o espaço não desapareceu, cá está aqui, olha ali para o sítio de trabalhar, o campo onde joguei a bola, exatamente, aqui a sala de convívio, exatamente, e a sala de convívio, e vocês que tal, a vida corre, nunca saíram de cá,
10:42O Reinaldo nunca saiu, claro, mas pronto, eu já estive em Portugal, duas ou três vezes, já andei por aí, só para dizer, o Ferreiro Carvalho tocava e cantava, a gente na mesa, todas as noites, vamos dizer, grandes festas também fizemos aqui, pá.
11:05Virgílio e Reinaldo eram cabos do exército português em 74 e 75, em Bogunaro, visitamos com eles o antigo quartel, que é hoje uma escola.
11:16Estou com vergonha, não sem vergonha, está bem? Há 50 anos eu era militar aqui neste quartel, está bem? Portanto, e agora vim ver como é que estava.
11:27Entendem? Entendem bem o que é que está a dizer? Compreendem-se, era o Sr. Luís Colet?
11:32O Sr. Luís, o Luís Militar, não é? Militar português e o Esquadrão de Cavalaria número 5, não é?
11:41Fátima, agora em minha escola, não é? O Luís, amém, Fátima, amém.
11:46E para a futura nação, eu tenho que falar português, cara.
11:48Tenho de falar português, é a vossa língua oficial.
11:53Está bem?
11:54Eu tenho pena, de quando cá estive há 50 anos, não ter aprendido tétumo.
11:57Se fosse hoje, se fosse hoje, aprendia.
12:02Então, é bom que vocês aprendam a falar português, está bem?
12:10Eu andava bem.
12:12Nós vivíamos juntos na mesa.
12:16De vez em quando o major convidá-los vir
12:19num jantar com ele, na mesa oficial.
12:23A gente falava, anedotas, anedotas.
12:26Por ver a luz, todas as noites.
12:30Não se notava que os eram timorenses e os eram metropolitanos, entre nós.
12:35Aqui em Volnara era um paraíso.
12:38É, eu disse...
12:40O que é que eu disse?
12:41Eu estive no paraíso e não sabia.
12:43Só soube quando, uns anos depois.
12:45Eu disse isso muita vez.
12:46Exatamente.
12:4875 anos...
12:49A gente jovem, a gente nem pensava em nada.
12:51Pensava era...
12:53Gozar a vida.
12:57A política chegou a Bobonaro.
13:00Mais de um ano depois do 25 de Abril, já muito se tinha passado.
13:04O então coronel Lemos Pires foi o nomeado governador de Timor
13:07com a missão de executar o processo de descolonização.
13:11Chegámos lá em outubro de 74.
13:16E o meu cargo, eu era chefe de Estado-Maior do Comando Territorial Independente de Timor
13:21e também do comandante-chefe.
13:24Quando chegámos a Timor, havia três companhias metropolitanas em Timor.
13:28E depois havia mais de cerca de dez unidades de tiburetos, em que os quadros eram metropolitanos.
13:37As companhias não serviam para nada.
13:40Quer dizer, eu no primeiro briefing que fiz, passados três dias, ou quatro lá estar,
13:45disse, em relação à missão que nós temos, que é conseguir a autodeterminação em paz,
13:52mas estas companhias não são companhias nossas.
13:58Isto é inimigo.
14:00Portanto, era uma completa disciplina.
14:06A ideia que tinham é, isto acabou para nós, eu quero envoltar a Portugal,
14:12de modo que não estavam minimamente vocacionados para a missão
14:16e realmente constituíam, até para os restantes militares tiburensos,
14:24um exemplo horrível.
14:26De modo que foi decidida a tiburização, quer dizer, realmente isto tinha que ser feito,
14:32faltava o elito, disse o senhor, mas tinha que ser feito à base de Timor.
14:37No campo político, Lemos Pires conseguiu que a UDT e a Fretilin formassem uma coligação.
14:43As duas forças, maioritárias, eram a favor da independência.
14:47O primeiro aniversário do 25 de abril em Timor ainda se comemorou num clima de unidade
14:53que deixava de fora a apodete, isolada, mas não sozinha.
14:57Nos encontros com governantes portugueses depois do 25 de abril,
15:01os indonésios diziam-se dispostos a aceitar apenas uma de duas soluções,
15:05ou a continuação sobre soberania portuguesa ou a integração.
15:09Sempre a partir ou a chegar de mais uma reunião sobre o futuro das colónias,
15:13Almeida Santos, ministro das Relações Interterritoriais, não se comprometia.
15:18Estamos atentos e preparados para qualquer solução.
15:21Não seríamos democratas se não aceitássemos o resultado de uma consulta direta.
15:26E essa consulta direta far-se-á na oportunidade própria.
15:29A UDT acabaria por romper a coligação depois de uma visita a Jakarta.
15:34Entre avanços e recus, o governador ainda conseguiu agendar uma cimeira
15:38com a participação de todos e do governo central em Macau, em junho.
15:42Mas a Fretilin acabou por recusar-se a participar em qualquer reunião
15:46em que estivesse presente a apodete.
15:48A UDT, com aquela ideia conservadora, gostaria mais ou menos de ficasse tudo na mesma,
15:57apesar de advogar a independência de Timor.
16:00A Fretilin estava ligada a ideias marxistas,
16:05que o povo não compreendia nada do que é que eles queriam dizer
16:10e não tinha a noção da existência de Timor naquele quadro geográfico geopolítico.
16:21Quer dizer, quando uma pessoa dizia
16:24Atenção, ou a Fretilin é moderada e a Indonésia aceita uma independência,
16:33ou se não for moderada, a Indonésia não vai aceitar.
16:36Eles não compreendem isso.
16:38O ambiente era de grande atenção.
16:42Depois daquilo, foi-se acentuada a radicalização da Fretilin,
16:46o conservadorismo do UDT e o esquecimento da apodete.
16:51O relatório de 1976 da Comissão de Análise à Descolonização do Timor
16:56concluiu que se verificou em Timor
16:59a influência da radicalização da Revolução Portuguesa,
17:02da independência de outros territórios ultramarinos
17:04e da preponderância do MFA na vida nacional,
17:07e que o núcleo progressista de militares
17:09entrou em choque com elementos e instituições civis,
17:13religiosas e militares conservadores.
17:17A reunião de Macau realizou-se,
17:19mas apenas com a Apodeti e a UDT.
17:22A Indonésia tentou influenciar o processo
17:25durante os anos todos,
17:27mesmo antes realmente da Guerra Civil.
17:30Em Macau, quando a Fretilin falha,
17:34os líderes da UDT vêm a viajar à Carta para Timor.
17:39E julgo que aí foi indicado,
17:43não tenho provas,
17:44que podiam tomar o poder e que eles apoiariam.
17:48Falhado um acordo entre todos,
17:51Portugal estabeleceu por decreto o processo de descolonização.
17:55A Lei 7 de 75 consignava o direito do povo de Timor à autodeterminação,
18:00seria eleita uma Assembleia Popular para definir o estatuto político
18:03e administrativo do território,
18:06haveria progressiva autonomia até o termo da soberania portuguesa
18:09no 3º domingo de outubro de 1978.
18:12Timor só tinha, portanto, duas alternativas,
18:15integração ou independência.
18:16No verão de 75 havia bloqueios de estradas e ações violentas,
18:21sobretudo por parte da Fretilin,
18:23que tentou assassinar dirigentes da UDT.
18:25O governo de Timor absteve-se sempre de atuar,
18:28foi acusado de conivência pela UDT.
18:30Lembra-se do capitão?
18:33O tenente?
18:33Ah, o...
18:34Não, não me lembro de nenhum tenente.
18:38Tenente?
18:38Pois, ele fez uma pergunta.
18:41Epa!
18:41Era o Rodrigues, não era o tenente.
18:43Ah, o primeiro sargento Rodrigues estava com a mulher e a filha.
18:46Epa, vocês falam da revolução,
18:49a revolução contra o quê?
18:51Sim, é verdade, é verdade, eu lembro.
18:55Foi aqui, ali na sala de reuniões.
18:56Sim, espontáneamente.
18:59A gente despolitizou, não se via dar de política.
19:03É a revolução contra todos.
19:05Contra todos e contra tudo.
19:09Não, o Rodrigues era assim...
19:13Tinha pouca diplomacia a fazer nas coisas.
19:16Tinha alguma noção de o que é ser independente.
19:23Só ouvimos pela rádio aquelas campanhas políticas, né?
19:28A libertar a pátria, a libertar o povo.
19:37Combater o imperialismo, o colonialismo.
19:42A exploração do homem pelo homem.
19:45Epa, todas aquelas doutrinas socialistas, marxistas, sei lá.
19:51Eu só me lembro quando começaram os golpes e os contragolpes
19:56e vinham os comunicados na rádio dele
19:58que achei que aquilo era tudo ridículo.
20:00Mas andamos aqui a brincar às revoluções também.
20:03Não o veio a sério, mas olha, era sério.
20:07O golpe da UDT foi o detonador da Guerra Civil em agosto de 75.
20:12Na noite de 10 para 11, a UDT tomou a PSP
20:15e fez prisioneiro o seu comandante,
20:17tenente-coronel Magiolo Gouveia,
20:20aqui filmado semanas mais tarde,
20:21nas prisões da Fretilin.
20:23Na mesma noite, a UDT tomou o aeroporto e a rádio
20:26e cercou o quartel-general.
20:28No dia 14, Magiolo Gouveia anunciou que aderira à UDT.
20:32Seguiram-se duas unidades que avançaram para Dili
20:35com material pesado de construção.
20:36A 16, a Fretilin deu o contragolpe,
20:40tomou o centro de instrução de Aileu,
20:42depois o quartel de Maubice e o quartel-general em Dili.
20:45Viva a Fretilin!
20:47Viva!
20:48Viva a Pampo Momere!
20:50Viva!
20:51Viva a Pampo Momere!
20:52Com as duas partes em guerra aberta,
20:58as autoridades portuguesas ficaram confinadas
21:01à zona do porto de Dili.
21:03O governo de Timor dispunha de uma força
21:05de 66 paracadistas, mas nunca atuou.
21:10Eu julgo que podia ter atuado inicialmente
21:14sobre o núcleo fundamental da UDT,
21:17apesar de ele não estar muito localizado.
21:19E porquê que não atuou?
21:20Porque isso significava estarmos com a Fretilin.
21:25Ou significava pôr em termo um golpe,
21:28que era aquilo que tinha acontecido?
21:30Julgo que era provisório o controle que poderíamos ter.
21:35Teria que vir a vários batalhões de Lisboa,
21:38que em Lisboa não dava mais nada.
21:40Podia resolver concretamente o controle determinado da área,
21:44mas, quer dizer, julgo que não resolvia
21:47e tinha o significado claro.
21:49havendo-lhe esta tensão entre os dois partidos,
21:52afinal o governo está com a Fretilin.
21:55A região Lugoveia seria preso pela Fretilin
21:58e mais tarde executado.
22:00Havia muitas armas de um lado e do outro.
22:03Estas imagens, muitas vezes apresentadas
22:05como tendo sido feitas durante a invasão indonésia de Timor-Leste,
22:08são de facto dos confrontos entre forças timorenses.
22:12De um lado a Fretilin e do outro o movimento anticomunista,
22:16MAC, que entretanto se formara,
22:18juntando a UDT, a Apodeti e outros dois pequenos partidos,
22:22Trabalhista e Cota.
22:23As imagens terão sido captadas em setembro,
22:27no auge da Guerra Civil.
22:28Os portugueses tinham abandonado o Dili em agosto.
22:32A 26 de manhã de madrugada veio uma mensagem
22:44do Presidente da República, que era sempre feito também,
22:51a dizer, apesar do risco, é assim a palavra que ela está,
22:58apesar do risco de tendo de sair para outra parte do território,
23:03nomeadamente o Atabouro.
23:05E foi aí, de noite, nós tínhamos um navio,
23:10que era o Mac Dili, que era o navio civil,
23:13que tinha levado refugiados, militares e cooperantes
23:16logo a seguir ao golpe da UDT,
23:20e foi a coberto dos deslocamentos
23:23que fazia desses refugiados para o Mac Dili,
23:26que, a certa altura, nós saímos também para o Atabouro.
23:33Os partidos, nem se esqueça,
23:35se aperceberam só no dia seguinte que nós vinhamos a sair.
23:38Estávamos quase reféns.
23:41E fomos atacados com o Morteiro.
23:43Antes disso, nunca conseguiram que o Governo da República
23:46enviasse reforços?
23:47Não, no Lisboa, ali num jantar,
23:54talvez a 24 ou coisa assim,
23:58o Comandante Naria Pinto aparece lá,
24:01estávamos, mas ao colho,
24:04o Coronel Álmos Pérez e eu,
24:06e ele disse,
24:07o Governador quer alguma mensagem para Lisboa?
24:11e ele disse assim,
24:15olha,
24:17começou a deitar,
24:20gostaria de saber
24:22se receberam as minhas 18 últimas mensagens.
24:27Que eram a pedir reforços?
24:28Lisboa já não respondia.
24:30Eram a pedir reforços?
24:32Essas 18?
24:32Os reforços nós sabíamos que era impossível.
24:35O problema grande em Lisboa era a gola.
24:37É o Sr. General que dá ordem aos militares de Bobonaro?
24:41Sou eu que comunico a ordem, sim.
24:44Para retirarem?
24:45Sim, no dia,
24:47deve ter sido aí,
24:48a 25,
24:50portanto,
24:50foi antes de sabermos que íamos votar hoje.
24:53E a conversa com o Major Luiz Souza,
24:56quer dizer,
24:56gostou-lhe muito.
24:59Mas como é?
25:00Como é?
25:01Olha,
25:01metade andaria o ALGT,
25:03metade andaria o Alfredo e Linha,
25:05e temos dois portugueses para a crista,
25:08de modo que tem que suceder.
25:09Aí não é possível mesmo que suceder nas outras.
25:12A ideia que tínhamos,
25:13a Timuriga já aumenta,
25:17tem que ser rápida,
25:18de modo que tens que entregar o comando.
25:20O Major Viçoso era o comandante do agrupamento.
25:23Quando recebeu a ordem,
25:24reuniu-se com os militares timorenses
25:26e, perante a sua recusa em aceitar a retirada dos portugueses,
25:29concordou em ficar com quatro outros militares do quadro.
25:32Os restantes dezenove,
25:34mais a mulher e a filha de um deles,
25:35deixaram-me abonar-o.
25:37E depois,
25:38na estrada da Maliana,
25:41naquelas curvas,
25:42é que nos fizeram em pescada.
25:43Gritou-se,
25:44ninguém tem experiência de guerra,
25:45ninguém dispara,
25:45ninguém dispara,
25:46ninguém dispara.
25:47Porque se há um tiro,
25:48se há alguém que,
25:50por nervosismos,
25:51há um tiro,
25:51aquilo ia ser terrível.
25:53Eu nunca percebi,
25:55vocês já estavam mais ou menos com a frete e linha
25:58ou ainda não?
25:58Estavam completamente neutrais.
25:59Naquela altura,
26:01como militar,
26:04disse que
26:04o militar nunca poderia perder qualquer partido,
26:08mas também
26:08consciência de cada indivíduo.
26:12Quando o comando passou para o sargento Manuel Soares,
26:17e então nós decidimos
26:18tomar uma posição,
26:21aderir ao contragolto.
26:22Portanto,
26:24vocês vão daqui
26:24atacar o DT,
26:28quando nós estávamos
26:30no Forte de Bartucadé.
26:31Pois.
26:32E depois?
26:33O sargento de Jesus
26:34veio,
26:36organizou
26:37a nossa operação.
26:40Ou seja,
26:41ele podia ter morrido
26:42com um tiro disparado por ele.
26:46Podemos rir agora,
26:48porque não aconteceu.
26:49Quando é que chegaram aqui
26:50os indoneses,
26:51a Bobo Naro?
26:52Chegaram em...
26:55Antes da invasão,
26:57antes de dezembro.
27:00Nós abandonámos-se,
27:02evacuámos-se para fora.
27:04Com a população,
27:05alguns ficaram.
27:06Mas depois ficaram
27:07muitos anos na resistência?
27:08Ficávamos.
27:10Eu,
27:10por acaso,
27:13eles capturaram-me.
27:15A gente já não tinha munições,
27:16ainda não tinha nada.
27:17Eu andava com a arma,
27:18a arma vazia.
27:20E, portanto,
27:21caímos em uma pescada,
27:22em...
27:23em...
27:24leto de forro.
27:26E pronto.
27:28Tínhamos que levantar as mãos.
27:29E estiveste preso,
27:30muito tempo.
27:31Sim.
27:32Em setembro de 78,
27:3478.
27:36Fui capturado,
27:37em setembro 78.
27:39E tive quase
27:40dois anos na cadeia.
27:42E maltrataram-te ou não?
27:44Ah, sim.
27:44nem imagina.
27:48Desculpe pela minha senhora.
27:52Qualquer buraco
27:53que tens no corpo,
27:55é tudo
27:56fio elétrico a passar.
28:02Mas pronto.
28:03Já passou,
28:03estamos vivos.
28:04Era um metro,
28:04um metro que eles utilizavam para...
28:06Porque no fundo
28:08era para obter informações.
28:09Para obter informações.
28:11E o Reinaldo também...
28:123 de 4 anos.
28:12Começa 20 de...
28:14Agosto.
28:17De 75?
28:1870...
28:1980.
28:191980.
28:21E quando saímos ali,
28:22os animógos formaram aqui em baixo,
28:24a rota do quartel.
28:25Sim.
28:26E começámos a subir a rua.
28:27a gente de um lado e de outro a chorar.
28:30Eu senti-me tão pequenino.
28:33Senti-me...
28:34Quer dizer,
28:34com o tempo que eu ia para casa,
28:36mas tão triste,
28:37tão...
28:37Envergonhado.
28:38Não é triste,
28:39a pessoa não era triste.
28:40É envergonhado.
28:41Ver as pessoas ali a chorar,
28:42e eu ali no ponto mais alto,
28:45a ter a noção
28:45de que estávamos a sair
28:47e que estávamos a deixar sozinhos.
28:50E eu pensava assim,
28:51mas quem é que vai alimentar,
28:52quem é que vai pagar os ordenados?
28:54Não,
28:55pensava muito nisso.
28:56Nós tivemos aqui uma vida inteira.
28:58Exato.
28:58E de repente,
28:59disse-se,
28:59olha,
29:00o comando é vosso,
29:01o comando é do Soares,
29:02que é o mais graduado,
29:03agora,
29:04se arrasquem-se.
29:05Luís Carvalho diz
29:06que sentiu,
29:07estava a abandonar
29:07e que sentiu vergonha
29:08daquilo que estavam a fazer.
29:10O Sr. General,
29:10partilha-se os sentimentos?
29:12Ou partilhou-os?
29:12Não,
29:13tive-me muita pena,
29:14foi um trauma grande,
29:16quer dizer,
29:16para mim,
29:17era o não ter cumprido
29:18uma missão militar,
29:19que é a pior coisa
29:21que pode-se fazer
29:22a uma militar.
29:23Quer dizer,
29:23nós tínhamos a missão
29:24de conseguir
29:25autodeterminação em paz.
29:28Não conseguimos.
29:29Não conseguimos.
29:30A bandeira nacional está pronto!
29:42A bandeira nacional está pronto!