Dom Odilo Scherer, cardeal-arcebispo de São Paulo, avalia como o amor ao próximo contribui para restabelecer o respeito e o entendimento e de que maneira iniciativas solidárias ajudam a criar vínculos sociais saudáveis.
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NotíciasTranscrição
00:00Se nós reconhecermos os outros talentos demais, nós temos prazer em conviver com a diversidade e a pluralidade.
00:08A diversidade de ideias, a pluralidade de pensamento, né?
00:13Isso nunca deveria ser uma barreira, né?
00:16E infelizmente no mundo de hoje é.
00:19Isso é porque nós não entendemos muito bem a nossa missão no mundo,
00:24que a pluralidade e a diversidade passam a incomodar ao invés de ser enxergado como um ativo?
00:29É verdade, nós vivemos uma crise de compreensão da existência humana, da antropologia.
00:37Venha pensar que esta maneira de enxergar o outro como um perigo, um risco,
00:47essa psicose em relação ao constante perigo, né?
00:51E por isso unir-se para formar bolhas para melhor combater a outra bolha e assim por diante.
00:57Isto vem de uma teoria filosófica de três, quatro séculos atrás, né?
01:04De um certo filósofo chamado Leibniz, que compreendia que o mundo é feito de monadas.
01:09Ou seja, de coisas fechadas que convivem, se justapõem, mas são fechadas e não interagem.
01:17Ora, pensar a humanidade composta como mundos fechados é, ao meu ver, uma compreensão equivocada do que é o ser humano.
01:29O ser humano é tudo menos uma monada, um mundo fechado.
01:33Se ele vive de forma fechada, ele nega a razão de sua existência.
01:37O ser humano é feito para, né?
01:41Encontra a complementariedade, encontra na condição dialógica, né?
01:47Do encontro com o outro, encontra justamente a resposta também para aquilo que ele é e procura, né?
01:54E ele também é um outro para o outro, portanto, ele também precisa do outro.
01:59De maneira que essa questão da convivência com o diferente e também a comunicação com o diferente é absolutamente necessária.
02:11E nosso mundo hoje tem a possibilidade de fazer isso muito melhor do que no passado.
02:18No passado os países, os povos viviam muito mais fechados, isolados.
02:23Hoje é tudo interação e comunicação de um lado.
02:26Mas, de outro lado, formam-se bolhas incomunicáveis em luta.
02:32Talvez é o medo.
02:34É o medo do diferente que, de certa maneira, gerou pânico e então cria essa reação de defesa, de se fechar.
02:46E foi exatamente o que aconteceu com Jesus, né?
02:48Era aquela história de reunir a pluralidade maior, causava grande tensão com os fariseus,
02:55com aqueles que seguiam rigorosamente a lei, que fizeram a sua bolha e, de repente, tem aquela pessoa que abraçava.
03:02Exatamente.
03:03E, por isso, fizeram tudo para eliminar aquele que estava fazendo algo diferente do que a bolha mandava fazer.
03:14É isso mesmo.
03:16O Dom Dilo, recentemente, uma série do Escolhido, da Chosen, que era a história de Jesus, fez muito sucesso.
03:24Aliás, parece que vai agora voltar um grande filme.
03:27O senhor assistiu a essa série?
03:29Eu só li, ouvi, mas, de fato, ainda não tive o tempo de ver.
03:33É, porque vale a pena, porque é uma série muito bem feita que conta toda essa parte do apostolado de Jesus, né?
03:41Dom Dilo, essa busca do amor, que é a questão chave, a palavra chave na cristandade é o amor.
03:50É dali que vem a compreensão, a solidariedade, a tolerância, a misericórdia, né?
03:56Como cultivar o amor como uma arma para quebrar essas bolhas, essa polarização, essa divisão artificial que vem se criando cada vez mais na sociedade moderna?
04:13Sim.
04:14Precisa falar e precisa fazer, né?
04:18Precisa falar, sim, disso.
04:20É um discurso, é um discurso que nunca deve ser calado, mas também precisa fazer e testemunhar e divulgar o que existe de belo, que bosta que isto é possível, que não é apenas um discurso impraticável.
04:37E nós temos tanta coisa que acontece e, infelizmente, isso não vira notícia.
04:43Infelizmente, não vira notícia.
04:45Nós temos tanta gente dedicada à prática do amor ao próximo de maneira desinteressada, de maneira enorme, generosa.
04:58Temos tantas pessoas que são solidárias, que participam de organizações solidárias.
05:06Eu vou falar a partir do nosso horizonte, da nossa igreja em São Paulo.
05:13Nós temos, em todas as paróquias, temos alguma, muitas têm diversas e até muitas iniciativas organizadas de assistência, de caridade, de solidariedade, de interessamento pelos mais vulneráveis, os pobres em geral, os dependentes químicos, as crianças necessitadas, velhinhos necessitados.
05:40Pessoas, digamos, pessoas, digamos, desempregadas, jovens, a busca de ajuda, etc, etc.
05:51Temos muitas dessas iniciativas.
05:55Algumas pequenininhas, outras maiores, mas tem por toda parte.
06:00Isso não aparece, mas existe.
06:02Então, o que é importante é que nós continuemos a fazer isso e que as organizações da sociedade também o promovam, mesmo a partir de outros horizontes de fé.
06:13Mas eu acho que o amor ao próximo é devido a todos, todos devem amar.
06:20Eu não acredito que haja uma religião que diga que não se deve amar o próximo.
06:26E por isso, fazê-lo, fazê-lo concretamente, isso dá credibilidade também ao, digamos, mandamento do amor.
06:36Amai-vos como eu vos amei.
06:38É o ensinamento de Jesus antes da sua paixão, no final da última ceia.
06:44Pois bem, o amor se vive.
06:51Naturalmente, aqui estamos falando do amor ao próximo.
06:55Existem tantas compreensões do amor, mas também o amor da família, o amor no casamento,
07:02o amor vivido de maneira autêntica, ele sempre edifica, ele sempre edifica, ele não destrói o amor, o amor faz viver, faz crescer.
07:14E o amor tem uma coisa muito importante que falta hoje, né, Dom Andilo, que é o perdão.
07:19É a arte de perdoar.
07:22Isso é, talvez, a maior prova do verdadeiro amor, é a arte de perdoar.
07:28E hoje nós vivemos numa época que parece que o perdão virou uma commodity escassa.
07:33Verdade, é, é verdade.
07:39O que é uma pena, né, que com muita facilidade se acusa, se condena, se cria narrativas fakes, né,
07:52que acabam prejudicando pessoas, tudo isso não é expressão de amor, não é expressão de caridade, né.
07:59Inclusive, nas mídias existem, né, os haters, né, haters são os que odeiam, os odiadores, né.
08:08E talvez é uma interpretação pesada para dizer não gostei.
08:12Bom, se não gostei, nem por isso preciso odiar, né, mas a palavra é hater mesmo, é odiador, né, odeio.
08:19Então, é uma pena, sinal de que valores profundamente cristãos, profundamente religiosos e, por isso, profundamente humanos,
08:32vão se desgastando se nós não cuidamos, vão se perdendo.
08:36E o resultado, o resultado é a tragédia da violência, da falta de respeito, do crescimento do ódio e do desespero de tantas pessoas
08:48que se veem cercadas por esse clima de ódio ao ponto de cometer suicídio, de, enfim, né, isso é uma coisa muito séria, né.
08:58E, Dom Andilo, qual seria uma mensagem de esperança para resgatarmos esse amor nesse momento de Páscoa?
09:07Afinal de contas, amanhã será a Sexta-feira da Paixão e este próximo domingo, Domingo da Páscoa.
09:14Sim, olha, eu estava justamente pensando, né, como ver a Páscoa, a celebração da Páscoa, né, toda essa Semana Santa,
09:25dentro do contexto do ano jubilar que a igreja vive, né, que é animado, orientado pelo tema da esperança.
09:32E, olha, cabe muito bem dizer, a celebração da Páscoa é um grande anúncio de esperança.
09:44Este mundo tem jeito. Este mundo, no final, tem solução.