No Dia Internacional da Parteira, celebrado em 5 de maio, conheça a trajetória de Merandolina Rosário, de 91 anos, que dedicou mais de cinco décadas à arte de trazer vidas ao mundo. Moradora de Ananindeua e nascida em Bragança, ela realizou partos desde os 17 até por volta dos 70 anos, sempre guiada pelo dom que acredita ser divino. Conhecida e respeitada por médicos e pela comunidade, a idosa fez centenas de partos — muitos deles voluntários — sempre priorizando o bem-estar das mulheres. Mãe de 12 filhos, parteira das próprias filhas e guardiã de saberes populares, ela é referência de cuidado, amor e tradição. Entre os filhos, está a pedagoga Benedita Socorro, de 56 anos, que aprendeu com a mãe os saberes terapêuticos e mantém viva a memória dessa caminhada inspiradora.
Reportagem: Eva Pires / Especial
Imagens: Cristino Martins
Edição: Bia Rodrigues (supervisão: Tarso Sarraf)
Reportagem: Eva Pires / Especial
Imagens: Cristino Martins
Edição: Bia Rodrigues (supervisão: Tarso Sarraf)
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NotíciasTranscrição
00:01Eu me sentei de bragaça pela Maracama, viu?
00:06E o que que lhe motivou a começar a ser parteira?
00:10Eu mesmo, porque não tinha ninguém pra me dar força.
00:12A força era entre Deus e Ele que me dava.
00:15Eu converso muito com ela à noite e nessas nossas conversas ela fala das aventuras dela.
00:23Que o papai não gostava, que ela fizesse parto, mas ela saía, pegava a sacolinha dela escondida,
00:29botava tudo dentro, a tesoura, o fio, o álcool.
00:32Esses eram os instrumentos que ela usava, a ferramenta dela de trabalho.
00:36Uma sacolinha, eu me lembro bemzinha, uma sacolinha que ela tinha, que ela colocava tudo lá dentro.
00:41Era a tesoura, não podia faltar as gases, né?
00:44Que hoje em dia que eles não usam mais aquele cinteiro, que ela chama de cinteiro, que é a gase, né?
00:49E ela levava o fio, tudo isso ela levava na sacolinha dela.
00:53E aí eu ficava sempre interrogando ela como filha, e ela falava assim, que ela fez um parto,
01:00ela não tinha nem 17 anos, o primeiro parto dela, que a mãe dela não queria,
01:05porque a mãe dela já tinha esse costume de benzer, de curar, né?
01:11Essa curandeira, mas ela adquiriu como parteira.
01:14Ela fez um curso de parteira em Bragança.
01:18Ela fez o curso de parteira.
01:20Hoje em dia, né, tem que ter medicina, mas nesse tempo era só o curso.
01:26E ela fez como parteira.
01:28Represenciei e muitos partos eu ajudei também ela aqui em casa a fazer o parto com ela, né?
01:34Ajudar ela na hora de tirar pra cinta, na hora de dar força, de pedir ajuda,
01:40de levar uma bacia com água morna.
01:42Tudo isso a gente ajudava.
01:44Eu, com o outro, as minhas irmãs mais velhas.
01:46E ela fez partos por aí, aqui no bairro mesmo, de mãe,
01:51aí depois filha e depois neta das pessoas que ela fazia parto.
01:55Não, a preparação é assim.
01:57Se elas vinham comigo pra fazer o parto delas,
01:59eu tinha que mandar elas fazerem os exames.
02:02Se eu não tava com anemia, se eu não tava com abomina, não tava com inflamação.
02:05Sempre foi assim.
02:08Eu trabalho com tudo.
02:09Trabalho com garrafada, com massagem, com urna, de tudo.
02:13Aí eu via logo que ela tava precisando, tinha que fazer,
02:16porque depois, na hora do ataque de abomina,
02:19ela dá abomina até de duas peças.
02:21Que dá na urina, que não incha, e que dá no sangue.
02:27Essa é a pior, que ela incha e mata a pessoa, se não cuidar.
02:31A gente ia lá pra fazer o toque nela.
02:36Se ela tivesse dois centímetros, três centímetros,
02:39a gente ia esperar os nove centímetros pra poder,
02:42a criança não ia ser.
02:44Não podia ir fazer, obrigar ela a fazer força,
02:46que nem em outras partilhas.
02:48E faziam isso e a mulher até morreu.
02:50Quando é pra nascer diretamente, a gente já sabe.
02:54Quando é, a gente tem que esperar de mais um pouco aí,
02:58ver que não dá horas pro hospital.
03:00Chegaram lá, eu fazia a minha obrigação,
03:03eu ia saber os médicos, o doutor Bacidino, o doutor João,
03:07aí, ô, dona Belanda, oi, meu nome é esse, eu não gosto de mim não.
03:12Aí, eles me atendiam, aí, ó, então pode a senhora ir embora.
03:18Aí eu entregava, tá aqui, sua mulher já tá na mão do médico.
03:21Eu subia com elas, aí eu lá pra hospital, lá pra cima,
03:24aí tinha uma que tinha que ser operada, não podia ter não.
03:26Qual foi o parto mais longo que a senhora fez?
03:30Vixe!
03:31Quanto tempo deu trabalho?
03:33Deu trabalho, foi um, porque a criança tava de cabeça pra cima e os pés pra baixo.
03:42Tava de pé.
03:43Aí eu teve que sacudir ela, ir virando ela devagar,
03:48mandei o marido dela agarrar ela aqui,
03:51aí eu fui sacudir ela por baixo na escadeira,
03:54quando botou o pezinho.
03:56Aí eu fui procurando um jeito pra tirar o outro pé,
03:59aí tirei, quando ficou no ombro, aí eu disse, agora tu vai me ajudar.
04:03Aí ele agarrou o carro com ela aqui, foi quando eu tirei o ombro,
04:06eu tirei o outro, aí ficou a cabeça.
04:08Aí eu fico ali, ela digo, agora faz força, porque a criança vai nascer.
04:12Aí nasceu.
04:13E esse me deu trabalho.
04:15É, logo quando a criança nasce, a senhora como parteira também,
04:20toma algum cuidado, faz alguma...
04:22Tem cuidado, porque eu andava com uma fralda.
04:26Lá lá no hospital, eu uso isso, é por isso que as crianças pegam um gol de parto,
04:31porque aquele parto que vem da mãe, vem tudo do rosto da criança.
04:36A criança vai suspirar, vai tudo pro pulmão e pro nariz.
04:40Aí a criança fica com uma roncadeira aqui.
04:44Aí fica ruim.
04:46E eu não, eu logo quando ela ia botando a cabeça,
04:49ia logo limpando, que era pra lá enxupar no nariz,
04:53pra sair metido dele na garganta pra tirar aquela gola,
04:55que é do parto da mãe.
04:57Senão aquilo não faz mal.
04:58Eu me lembro já com uma mulher, depois de casada,
05:02que eu engravidei, eu fiquei com medo, tinha aquela coisa pra mim.
05:07Pra mim tudo era... tava bom.
05:09Não sabia de nada, não ia saber como ia ter, nem nada assim de dor.
05:13Mas quando deu o aperto da dor, e ela disse...
05:16Ela fez o toque em mim, disse, é pra... vai ter normal.
05:20E o teu filho é bem pequeno, não vai dar trabalho.
05:23E eu confiei nela, além de parteira, minha mãe.
05:27Confiei.
05:28E dei aluno desse jovem aí, que hoje em dia ele já é...
05:32Também pai.
05:34E outra minha filha também.
05:35E outros foram aqui em casa.
05:37Ah, pra mim foi importante, muito importante.
05:39Quando as pessoas falam...
05:41Como foi que tu teve teu filho normal?
05:43Quem?
05:43Meu Deus, tu teve coragem?
05:45Tive.
05:45E foi a minha mãe.
05:46Vem aqui pra mim fazer o quarto dela.
05:50Eu vim pra ela...
05:51O nome dela era Maria.
05:53Eu morava ali em Pacabanais.
05:55Ela era a bicha.
05:56Dama Miranda, eu quero que a senhora faça o meu quarto.
05:58Eu digo, olha Maria, tu já fez o pré-natal?
06:01Já fez o exame?
06:03Pra se saber se não tá com anemia, com a bombina?
06:07Já, já fez.
06:08Tu já levou pro médico?
06:09Não, tá lá em casa pra me levar.
06:13Aí quando foi, nesse dia, eu disse, olha, eu só vou fazer teu parto e tu fazer todos os exames.
06:19Porque às vezes você pode tá com anemia, às vezes você pode tá com a bombina, e a bombina dá um ataque na hora.
06:26E a pessoa morre.
06:28Aí ela...
06:29Aí ela perguntou se...
06:31Aí meu marido ia chegar de Manaus, ele tava aqui em casa.
06:36Aí, tu vai fazer o parto?
06:38Eu não vou.
06:38Já me conferir de horror.
06:41Se não for um intercesso pra mim, eu levo pro hospital.
06:44Aí eu fui.
06:45Vem lá.
06:46Tinha aberta aqui a Pacabanais, que saíram o caminho, o carro nem entrava lá.
06:52Aí eu...
06:52Cheguei lá e eu fiz o toque nela.
06:55Comecei lá que ela tava com a bombina.
06:58Ah, minha filha.
06:59A gente enfrenta muita coisa.
07:01Coisa mesmo que os bachos sem parteira.
07:04Viu?
07:05É.
07:06Aí vai pro frente da mulher, quando ela não tem passagem, é obrigado a gente conversar com o marido e levar pro hospital, pra poder operar.
07:16É assim que é.
07:17Eu acho assim que é um papel fundamental, de grande importância na comunidade, porque a gente vê isso mais com os indígenas, né?
07:28Mas eu não vê assim numa... Hoje em dia é um tempo real.
07:33Na sociedade que a gente vive, tem...
07:38Bem assim, como eu falo, que é ostentação de tantas coisas.
07:43E pra ter um filho com uma parteira, ninguém quer mais.
07:47A confiança, sabe assim, ter aquela confiança.
07:51Mas assim, eu com a experiência que tive com a minha mãe, a minha mãe era uma grande parteira.
07:57Pra mim, se fosse preciso, hoje em dia, ela ainda faria um parto.
08:02Eu acho que alguém quer mais.
08:09Um filho com um ou um filho com um filho com um filho com um filho com um filho com um filho com era deбиoma de todas.