Aos 16 anos, Jackson Santos cruzou as portas de uma casa de acolhimento em Belo Horizonte, sem saber por quanto tempo aquele seria seu teto. Aos 18, precisou sair, como manda a regra do sistema de abrigos. Foi quando se deparou com a pergunta: sair para onde?
Para ele, foi possível encontrar uma república destinada a jovens nessa situação. Mas, para muitos outros, o destino pode ser a rua ou o retorno ao ambiente do qual foram afastados pela Justiça diante de situações de abandono, negligência ou violência por parte de suas famílias, como mostrou o Estado de Minas em sua edição de segunda-feira (10/3).
Apenas na capital, 49 adolescentes abrigados chegarão à maioridade este ano, segundo a prefeitura. Vão se deparar com a mesma questão que angustiou Jackson.
Leia a íntegra da reportagem
https://www.em.com.br/gerais/2025/03/7080870-a-vida-depois-do-abrigo-poucas-saidas-alem-da-rua.html
O Notícia em áudio é um podcast do jornal Estado de Minas que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no seu tempo. Sem deixar que a pressa do dia a dia atrapalhe a imersão no tema. Afinal, uma boa história merece ser contada e recontada muitas vezes. E em vários formatos.
Reportagem: Silvia Pires
Locução: Laura Scardua
arte sobre foto de Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Coordenação: Rafael Alves
#podcast #noticiaemaudio #bh
Para ele, foi possível encontrar uma república destinada a jovens nessa situação. Mas, para muitos outros, o destino pode ser a rua ou o retorno ao ambiente do qual foram afastados pela Justiça diante de situações de abandono, negligência ou violência por parte de suas famílias, como mostrou o Estado de Minas em sua edição de segunda-feira (10/3).
Apenas na capital, 49 adolescentes abrigados chegarão à maioridade este ano, segundo a prefeitura. Vão se deparar com a mesma questão que angustiou Jackson.
Leia a íntegra da reportagem
https://www.em.com.br/gerais/2025/03/7080870-a-vida-depois-do-abrigo-poucas-saidas-alem-da-rua.html
O Notícia em áudio é um podcast do jornal Estado de Minas que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no seu tempo. Sem deixar que a pressa do dia a dia atrapalhe a imersão no tema. Afinal, uma boa história merece ser contada e recontada muitas vezes. E em vários formatos.
Reportagem: Silvia Pires
Locução: Laura Scardua
arte sobre foto de Edésio Ferreira/EM/D.A Press
Coordenação: Rafael Alves
#podcast #noticiaemaudio #bh
Categoria
🗞
NotíciasTranscrição
00:01Olá, eu sou Laura Escárdua e este é o Notícia em Áudio, um podcast do jornal Estado de
00:06Minas que lê, aos sábados e domingos, uma grande reportagem para você ouvir no seu
00:12tempo.
00:13O texto de hoje é da repórter Silvia Pires.
00:16A vida depois do abrigo, poucas saídas além da rua.
00:20Aos 16 anos, Jackson Santos cruzou as portas de uma casa de acolhimento em Belo Horizonte,
00:26sem saber por quanto tempo aquele seria seu teto.
00:30Aos 18, precisou sair, como manda a regra do sistema de abrigos.
00:35Foi quando se deparou com a pergunta, sair para onde?
00:39Para ele, foi possível encontrar uma república destinada a jovens nessa situação.
00:44Mas, para muitos outros, o destino pode ser a rua ou o retorno ao ambiente do qual foram
00:50afastados pela justiça diante de situações de abandono, negligência ou violência por
00:56parte de suas famílias.
00:58Apenas na capital mineira, 49 adolescentes abrigados chegarão à maioridade em 2025, segundo
01:05a prefeitura.
01:07Vão se deparar com a mesma questão que angustiou Jackson.
01:10Ele foi um dos primeiros a morar no Projeto Piloto de República para Jovens Egressos do Sistema
01:16de Acolhimento, implementado na capital mineira em 2018 e até hoje o único do tipo em Minas
01:22Gerais, funcionando como uma unidade masculina e outra feminina.
01:27A experiência, no início, pareceu promissora, um espaço de transição determinado pelo Sistema
01:34Único de Assistência Social, que atende até seis jovens, divididos por sexo, dos 18
01:40aos 21 anos, onde ele poderia se estruturar pelos três anos seguintes.
01:44Porém, percebeu que o ambiente não correspondia às suas expectativas e a adaptação à vida
01:51adulta teve que ser mais abrupta.
01:53A chegada à vida adulta é um salto no escuro, um misto de medo, ansiedade e solidão, como
02:08define Jackson.
02:09Aos 19, ele começou a pagar aluguel e assumiu todas as responsabilidades de um adulto, mas
02:15sem o amparo de uma família.
02:17O trabalho e os estudos foram seu alicerce.
02:20Eu tinha contato com a minha família, tinha convívio, mas não tinha afeto.
02:25Não queria voltar para o lugar onde sofri, onde tive várias violações de direito.
02:31Lembro o rapaz, hoje, aos 25 anos.
02:34Como ele, jovens acolhidos pelo Estado crescem com a certeza de que, cedo ou tarde, terão
02:40que partir.
02:41Afinal, a saída já está anunciada desde o dia em que chegam ao abrigo.
02:47Sem outra saída, muitos jovens que deixam o sistema de acolhimento retornam para as
02:52famílias das quais foram afastados pela justiça.
02:55Não porque seja o melhor caminho, mas porque, sem suporte, vira a única opção.
03:01Às vezes, nos últimos minutos do segundo tempo, surge uma possibilidade de restabelecer
03:07algum vínculo com a família de origem.
03:09E eles voltam, mesmo que aquele não seja um ambiente seguro, que não seja o melhor
03:14para eles, conta Fernanda Farnese, psicóloga da Casa dos Anjos, instituição no bairro
03:20Santa Mônica, na região de Venda Nova, em Belo Horizonte, que acolhe jovens de 12 a 18
03:25anos.
03:27Do outro lado, as famílias costumam receber esses jovens de volta sem muitos questionamentos.
03:33Adultos são vistos como força de trabalho, uma nova fonte de sustento para a casa.
03:38Algumas famílias enxergam a estadia do adolescente, da criança, na unidade de acolhimento como
03:44uma escolha individual.
03:46Há uma certa ignorância em relação ao que é uma medida de proteção, sem compreender
03:50as razões estruturais por trás disso.
03:53E aí, quando esse jovem completa 18 anos, ele já está grande, já pode trabalhar, já
03:58pode ajudar a sustentar a casa, descreve a psicóloga.
04:02Os que tentam se virar sozinhos em vez de voltar ao convívio de parentes, enfrentam
04:07barreiras.
04:08Alguns dividem aluguel com os colegas, outros acabam em situação de rua ou são tragados
04:13pela marginalidade.
04:16Infelizmente, o tráfico é uma família que abraça.
04:20Se você não encontra acolhimento em outro espaço, lá encontra.
04:24Não tem critério.
04:25Diz a psicóloga.
04:27Algum desses jovens já vem de histórias marcadas pelo crime.
04:31Outros são empurrados para ele por não enxergar alternativas.
04:35Eles entram por um viés de desespero, um ato de sobrevivência.
04:40Eu preciso me adaptar a este mundo, aponta Fernanda Farnese.
04:45O resultado?
04:46Desfechos trágicos, homicídios, prisão e a repetição de um ciclo de violência.
04:52Outro caminho possível são os abrigos para adultos e famílias, que em Belo Horizonte
04:58tem uma rede com 19 unidades.
05:00Mas esses espaços, voltados para uma diversidade de públicos, incluindo pessoas em situação
05:06de rua e outros contextos de vulnerabilidade, acabam por não oferecer a atenção especializada
05:12que esses jovens necessitam.
05:15A transição para uma vida independente exige mais do que um teto.
05:18Pede acompanhamento técnico, suporte psicossocial e oportunidades reais de inserção na sociedade.
05:25Reforça Roney Assis, coordenador nacional de juventudes da Aldeias Infantis SOS, organização
05:32sem fins lucrativos, dedicada ao cuidado e à proteção de crianças, adolescentes, jovens
05:38e suas famílias.
05:40Após o desligamento dos abrigos, os jovens que chegam à maioridade são acompanhados
05:44por até seis meses, período que pode ser estendido em alguns casos.
05:49Mas o suporte, feito por equipes dos Centros de Referência e de Assistência Social, nem
05:54sempre acontece.
05:56Com profissionais sobrecarregados e uma política pública precarizada, muitos adolescentes acabam
06:01desassistidos.
06:03Fomos criados como se fôssemos animais.
06:06Presos, com hora para comer, dormir, alguém nos controlando.
06:10Mas autonomia, ninguém ensinou.
06:13E é uma outra violação.
06:15Desabafa Jackson Santos, ex-abrigado.
06:18Entre esses jovens, há quem tenha, após o histórico de violações familiares, passado
06:23a vida inteira sob proteção do poder público, sem nunca chamar um lugar de lar.
06:29Fora dos abrigos, os traumas da institucionalização persistem e moldam a forma como se relacionam.
06:35A gente tem dificuldade de afetividade, de confiar, de pertencer.
06:40Desabafa Jackson.
06:42Uma dificuldade que se traduz também em relações instáveis.
06:46Tem gente que não consegue formar família, porque carrega esse abandono, esse sentimento
06:51de perda, de que tudo o que for acontecer não vai dar certo.
06:55Comenta o rapaz, que criou um movimento nacional, ao lado de outros jovens egressos do sistema
07:00de acolhimento, para lutar pelos direitos dessa parcela da população.
07:04Embora uma resolução do Conselho Nacional de Assistência Social determine que estados
07:10e municípios ofereçam repúblicas para jovens que deixam o acolhimento institucional,
07:14a realidade ainda está longe do ideal, já que poucas cidades cumprem a recomendação.
07:21No Brasil, há apenas 34 repúblicas, duas delas em Belo Horizonte.
07:26Desde a época em que Jackson passou por uma dessas unidades, o modelo evoluiu, e hoje
07:32é considerado uma referência pelos próprios jovens.
07:36Nosso objetivo é prepará-los para a vida adulta independente, enxergando cada um como
07:41um ser único, com sonhos próprios, afirma Marcelo Ribeiro Sequeira, coordenador técnico
07:47das unidades de acolhimento institucional República para jovens, desde abril de 2022.
07:54Com um sorriso no rosto, Anne Martins caminha pelos cômodos da República Feminina em BH,
08:00do bairro Santa Terezinha, na Pampulha, guiando a equipe de reportagem pela casa que hoje chama
08:05de lar, depois de passar três anos em uma unidade de acolhimento.
08:09No caminho, faz questão de destacar as plantas que cultiva para dar ao espaço um toque de
08:15aconchego.
08:17Lá, as decisões são tomadas coletivamente, desde as normas internas até a organização
08:22financeira, um ensaio para a autonomia de que tanto se fala como uma necessidade a ser
08:28desenvolvida com esses jovens.
08:30Aqui, a gente cria uma família, é um lance de amor e ódio, brinca ela, que se prepara
08:36para ir morar sozinha.
08:37Entre as colegas, Anne é a responsável por resolver os problemas práticos do dia-a-dia.
08:45Aqui eu aprendi a trocar gás, arrumar panela, se precisar, sou eu que faço, senão as meninas
08:51ficam esperando o coordenador aparecer, e uma semana depois ainda está lá por fazer,
08:57brinca.
08:58Agora, aos 21 anos, Anne já deveria ter deixado o programa, mas, diante de períodos
09:04de desemprego e dificuldades financeiras, conseguiu um prazo maior para se reorganizar.
09:10A iminência da mudança traz um medo que a jovem diz nunca ter sentido.
09:15Pela primeira vez, ela, que se define como uma pessoa difícil de se abrir, quer manter
09:21os vínculos que conseguiu construir.
09:22Eu nunca tive medo de ir embora, na verdade.
09:27É a primeira vez que sinto tanto medo de estar deixando as pessoas.
09:31Quem passou por acolhimento sabe o quanto é difícil olhar para um lugar e se sentir
09:35pertencente.
09:36Define a jovem.
09:37A república trouxe essa parte de se sentir em casa, que é muito difícil para a gente
09:43que passou por esses problemas familiares, que foi para uma casa institucional, conta.
09:48Não vai ter mais aquela cumplicidade, aquela irmandade, não vai ter nem a diversão e nem
09:53as brigas, completa.
09:55Atualmente, Anne trabalha com telemarketing, mas busca novas oportunidades, pois sabe que
10:00o salário atual não é suficiente para viver sozinha.
10:03Ela estuda filosofia à noite na Universidade Federal de Minas Gerais, mas seu objetivo
10:09é mudar para letras, uma área mais próxima do que realmente deseja, comunicação.
10:15Desde os 15 anos, as jovens sonham em trabalhar com publicidade e propaganda, mas como o curso
10:21na FMG é diurno, essa possibilidade ainda parece distante.
10:26Brinco que sou proletariada, então não dá para estudar de dia, comenta com humor.
10:31O plano, até então, é se formar em letras e seguir carreira como redatora até conseguir
10:37se especializar na área que tanto deseja.
10:40Nada disso ela construiu sozinha.
10:43Cada meta, cada passo foi traçado junto à equipe da República, que trabalha com um modelo
10:48baseado na autonomia e no protagonismo dos jovens.
10:52Cada um elabora seu próprio plano de vida, com objetivos e revisões periódicas.
10:56Eles podem pedir mudanças sempre que sentirem necessidade, porque os sonhos podem mudar.
11:02O importante é que tenham clareza sobre os passos para chegar onde querem.
11:06Isso também faz parte da autonomia.
11:09Eles decidirem sobre a própria vida, e a gente enxerga cada um com uma potência.
11:14Não vemos os problemas, não os definimos pelo sofrimento.
11:17A gente vê força.
11:18Por que se passaram por tudo isso, é porque tem muita força.
11:23Ressalta Marcelo Ribeiro, coordenador da República.
11:26Mais reservável e de poucas palavras, Ander Teadade, de 19 anos, encontrou na República
11:32um recomeço após uma trajetória marcada por conflitos familiares e denúncias que o
11:38levaram ao acolhimento institucional aos 16 anos.
11:42Foi ali que passou a enxergar um novo futuro, um que incluía a universidade.
11:47Com o incentivo da equipe, prestou o vestibular, foi aprovada no FMG e hoje cursa ciências
11:53atuariais, área da qual fala com entusiasmo.
11:58Nunca foi algo que eu pensasse muito, cursar uma faculdade.
12:01Não me chamava atenção, mas me mostraram que se eu estudasse, teria acesso a outras
12:06oportunidades.
12:08Quando encontrei esse curso, gostei bastante.
12:10É bem desafiador, não é nada fácil.
12:12Com.
12:13Desde que chegou à República, Ander Teadade tem traçado planos concretos para o futuro.
12:19Com o apoio da equipe, já busca formas de financiar um imóvel.
12:23Dá tempo de me formar e tentar conciliar uma coisa com a outra.
12:27Já penso na área em que quero trabalhar e estamos organizando um financiamento, diz.
12:32Do espaço onde vivi hoje, ele conta que vai carregar um aprendizado, que agora se tornou
12:38um lema.
12:38Desistir não é uma opção.
12:41Quando a gente pensa que não dá mais jeito, dá.
12:44Pode parecer tudo bem difícil, perdido, mas sempre tem uma oportunidade.
12:50Isso é o que eu acho que a República representa para mim, reflete.
12:54Poderia representar para muitos outros, se o sistema, como prevê a lei, fosse o suficiente
13:00para todos.
13:01A íntegra desta reportagem foi publicada no Jornal Estado de Minas em 11 de março
13:07de 2025.
13:09Acompanhe as notícias mais importantes para o seu dia a dia em nosso site, em m.com.br.
13:15E siga a gente no WhatsApp para atualizações urgentes.
13:18Até a próxima notícia em áudio.
13:19Tchau.
13:20Tchau.
13:21Tchau.
13:22Tchau.
13:23Tchau.