A Voepass pediu recuperação judicial e apontou a Latam como fator da crise. Em entrevista ao Agora, Rafael Coelho, especialista em recuperação judicial, explicou as causas, os desafios do setor e por que o caso é mais complexo que parece.
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NotíciasTranscrição
00:00A companhia aérea Voepass encaminhou um pedido de recuperação judicial e concessão de liminares.
00:07Citou como principal responsável pela crise financeira o grupo Latam.
00:11Vamos analisar agora essa situação da Voepass com o Rafael Coelho,
00:15ele que é especialista em recuperação judicial e sócio do escritório Pascoini Advogados.
00:21Rafael, bom dia para você.
00:23Primeiramente, muito obrigada por ter aceitado o convite de participar ao vivo aqui comigo e com a Maria Almeida do Agora.
00:29Rafael, a minha primeira pergunta é a seguinte, para você na sua leitura, de fato, a culpabilização da Latam pela Voepass, ela faz sentido?
00:40Bom dia, primeiramente, muito obrigado pela oportunidade de poder falar a respeito de um tema tão em evidência no atual cenário econômico.
00:49Olha, eu acho que responsabilizar uma única situação pela crise vivenciada pela empresa é um tanto quanto leviando da minha parte.
01:01Eu acho que eu não poderia afirmar isso.
01:03De fato, é uma situação bastante delicada, essa envolvendo a Latam,
01:07que diz respeito à suspensão de algumas operações após aquele incidente envolvendo a queda de uma aeronave.
01:15Mas eu acredito que tenham outros fatores, tá?
01:19Eu acredito que outros fatores também os levaram a essa crise.
01:24Não é o primeiro pedido recuperacional, né?
01:27Eles já se valeram dessa medida judicial em 2012, um processo que se encerrou no ano de 2017.
01:34Então, ou seja, já era uma companhia que vinha se recuperando de uma outra crise suportada não muito tempo atrás
01:43e agora, novamente, enfrenta dificuldades não só com a Latam, mas também com a própria ANAC, né?
01:51Em relação a algumas inconformidades que foram apontadas que, até o presente momento,
01:58eu ainda não tenho ciência de que já foram regularizadas.
02:00E, bom, você estava dizendo exatamente que não dá para pegar um único ponto e responsabilizar,
02:07mas abrindo um pouquinho mais, pensando nessa...
02:10Desde a primeira recuperação judicial até agora, você consegue levantar para a gente
02:14quais seriam os pontos fundamentais que dificultaram uma saída mesmo da crise mais definitiva,
02:21no caso da empresa?
02:22O que você destacaria em relação ao processo, desde o primeiro processo de recuperação até agora,
02:26o que poderia ter sido feito e não foi, ou o que acabou empurrando, dando mais dificuldade
02:31para que ela conseguisse sair de maneira definitiva?
02:36Olha, são fatores diversos, tá?
02:38Como eu falei, acho que o nosso cenário econômico, ele já não é um cenário muito positivo,
02:43já tem algum tempo, então isso impacta diretamente.
02:46Nós temos uma empresa recém-recuperada, vamos dizer assim,
02:53pela primeira oportunidade em que se valeram desse processo.
02:58Nós temos aqui a questão do próprio incidente que gerou uma situação muito delicada,
03:06que acaba tendo ali grande volume em termos de indenizações,
03:09a gente tem um contexto muito peculiar que chama a atenção até mesmo para esse novo procedimento
03:17que diz respeito à não sujeição dos créditos decorrentes de arrendamento mercantil,
03:24de o próprio arrendamento das aeronaves em que a empresa detém.
03:31Esses créditos não são sujeitos a esse procedimento da recuperação judicial
03:34e as detentoras dessas aeronaves podem requerer a retomada do ativo a qualquer momento,
03:43justamente pela não sujeição desses contratos ao procedimento de recuperação judicial.
03:50Então esse já é um fator que pode dificultar também ainda mais uma recuperação plena,
03:56digamos assim, da companhia.
03:57Porque imagina que detentores de aeronaves que estão arrendadas para voer pés nesse momento,
04:03se solicitarem esse bem para si e não mais terem interesse na continuidade desse contrato,
04:12ou então se esses contratos não forem honrados em dia, a tomada do bem passa a ser discutida.
04:19E assim, aí a gente entra num contexto de essencialidade desses bens para o seu erguimento da atividade.
04:24É um cenário muito delicado, é um cenário que vai ficar a critério e um critério bastante rigoroso do juízo recuperacional
04:34sobre a devolução de eventuais aeronaves ou sobre outras medidas constritivas que podem decorrer
04:44dessa não sujeição desses créditos ao procedimento recuperacional.
04:49Então assim, são diversos fatores.
04:52Difícil você, não estando dentro da companhia, não entendendo toda a sua estrutura, toda a sua parte operacional, financeira,
05:00alguém de fora, como eu no caso aqui, ter essa... como eu posso dizer?
05:06Acho que seria até um tanto quanto prepotência da minha parte querer elencar aqui quais foram os fatores
05:12ou opinar a respeito de quais seriam os melhores caminhos aqui para uma retomada.
05:17O que eu posso dizer é que o procedimento recuperacional é muito sério quando enfrentado e conduzido de forma coerente,
05:27de forma responsável, com base, ele realmente tem o condão de reestruturar as empresas.
05:34Não à toa, a Voipés passou por uma e teve o seu encerramento do procedimento, o que denota a sua recuperação.
05:41Talvez não 100% a ponto de não voltar a enfrentar uma crise, mas pôde colocá-la no mercado novamente,
05:51deu condições para que ela equacionasse o seu passivo existente naquele momento.
05:57Agora é um outro cenário, é um outro contexto, estamos diante de um outro momento econômico,
06:03tem essas peculiaridades que eu coloquei a respeito da imposição da ANAC,
06:08que hoje as atividades estão suspensas até que se apure essas inconformidades.
06:13Nós temos essa questão envolvendo o litígio com a Latam,
06:17que aparentemente há um consenso já entre as partes a respeito de um valor que seria incontroverso,
06:23o que pode auxiliar um pouquinho.
06:25Mas o que eu vejo desse litígio é que o montante, se não me engano envolvendo as duas empresas nesse momento,
06:35gira em torno de algo em torno de 35 milhões, que era o valor que a Voipés entende que era devido,
06:42e o consenso atual gira em torno de 12 milhões.
06:45Mas o passivo da recuperação judicial apontado inicialmente é 215 milhões.
06:50Então, assim, a gente tem um contexto, por isso que eu afirmo,
06:56eu acho que dá para afirmar que não é somente essa situação envolvendo a Latam o principal fator,
07:03mas que é um grande dificultador, isso sem dúvida.
07:07Agora, Rafael, você é especialista em recuperação judicial,
07:10do ponto de vista de casos de sucesso, não sei se você tem números disso,
07:15normalmente pedidos de recuperação judicial aqui no Brasil,
07:18eles têm mais sucesso do que problemas, do que derrotas?
07:24Então, você disse que não dá para imaginar o que vai acontecer com a Voipés nesse caso em específico,
07:29mas num cenário mais geral, os casos normalmente são mais de sucesso?
07:35Nós temos uma grande mudança recente nesse contexto.
07:39O que acontece com o cenário recuperacional?
07:43Nós tivemos uma mudança, uma alteração da lei em 2020,
07:48e essas alterações acabam, alguns efeitos são imediatos,
07:52mas outros eles acabam sendo um pouco mais prolongados,
07:56e nós estamos, acredito eu, colhendo alguns frutos dessas alterações nesse momento.
08:01Por que eu digo isso?
08:02Até alguns anos atrás, nós tínhamos uma visão muito pejorativa a respeito da recuperação judicial.
08:11Era um procedimento visto no mercado como um ato pré-falimentar.
08:16Por quê?
08:16Porque o índice de empresas recuperadas era muito pequeno.
08:20Nesse momento, com essas alterações e com a entrada ou a utilização do mecanismo judicial
08:28por grandes empresas, pelas Big Four, vamos dizer assim,
08:32e com alguns casos já de sucesso, acho que um deles que vale a pena citar aqui,
08:38que já tem algum tempo que ela vem se recuperando, é o caso da Eternit.
08:42Foi uma recuperação judicial gigantesca,
08:45e a empresa não só se recuperou como hoje é superavitária.
08:49Então, assim, existem algumas alterações,
08:54e com isso, claro, nós tivemos a especialização de diversos escritórios,
08:58o ingresso nessa seara de atividade por diversos outros profissionais,
09:03nós tivemos diversos cursos sendo disponibilizados,
09:08extensão, especializações.
09:11Então, com isso, nós também tivemos uma qualificação muito grande
09:15dos profissionais atuantes nesse mercado.
09:16e aí acredito que com bons planejamentos, com bastante seriedade,
09:24como eu falei, é um procedimento que ele exige da empresa
09:28uma transparência de todos os seus atos, de todos os seus números,
09:33ou seja, você realmente tem que tirar tudo debaixo do tapete
09:36para você poder realmente dar a transparência devida
09:39de qual é o seu passivo, quais são os seus credores,
09:42quais são as peculiaridades, quem são os seus credores extra-concursais,
09:46como eu citei, no caso dos detentores aqui de arrendamento de aeronaves.
09:51Então, assim, quando você tem, de fato, um planejamento,
09:58uma preparação para esse procedimento, em sentido amplo,
10:02digo isso na esfera cível, na esfera trabalhista,
10:05porque a recuperação judicial envolve todas as demais matérias.
10:10Inclusive, o passivo tributário precisa também ser equacionado,
10:14porque para que eu tenha a homologação desse plano,
10:17eu preciso apresentar minha regularidade fiscal,
10:19eu tenho que ter CNDs.
10:21Então, é uma atuação que ela exige um conhecimento
10:25e uma condução multidisciplinar.
10:27Eu tenho que atacar a parte administrativa, operacional,
10:31para ver o que eu consigo otimizar em termos de operação,
10:35eu tenho que entender qual que é meu passivo tributário,
10:39se eu tenho pendência, se eu não tenho,
10:41para poder regularizar essa questão fiscal para eventual aprovação.
10:45Tenho o passivo propriamente que eu vou precisar discutir,
10:48conversar com os meus credores,
10:50quais são os elementos aceitáveis para uma Assembleia Geral de Credores,
10:55seja ele deságio, um parcelamento, uma carência,
10:58os índices de correção desses créditos,
11:00todos esses fatores negociais que eu preciso ajustar
11:03para que também caiba dentro desse faturamento da empresa.
11:09Porque esse litígio com a Alatã,
11:11como eu falei, houve uma suspensão parcial
11:14de algumas aeronaves, da utilização de algumas linhas,
11:17o litígio envolve uma falha de comunicação,
11:21mas, de todo modo, ele não só gerou um débito,
11:26hoje que a Voipaz entende de R$ 35 milhões,
11:28como também a queda de receita.
11:30Então, isso impacta de forma dupla
11:32em uma operação que já vinha, digamos assim,
11:35enfrentando algum tipo de problema.
11:38Perfeito.
11:39Desculpa, pode ir.
11:40Imagina.
11:41Perfeito, muito obrigada.
11:43Viu o Rafael Coelho,
11:45ele que é especialista em recuperação judicial
11:47e sócio do escritório Pascoini Advogados.
11:50Muito obrigada pelos seus esclarecimentos
11:52e pela sua participação com a gente ao vivo aqui no Agora.
11:55Um ótimo restinho de semana para você e um bom dia.
11:57Imagina, eu que agradeço.
11:59Muito obrigado pelo convite.
12:01Permaneço à disposição sempre que precisarem
12:04ou quiserem algum auxílio,
12:07alguma opinião a respeito de grandes casos.
12:10Estou sempre à disposição.
12:11Muito obrigado e um bom dia a todos.
12:12Muito obrigada.
12:13Nós é que agradecemos.
12:14Bom dia.